A cidade dos Deck-Hands
O Google me ajudou. Ahh sim, deck-hand é marujo e Palma a cidade dos navegantes.
O Google me ajudou. Ahh sim, deck-hand é marujo e Palma a cidade dos navegantes.
E não deu outra, conheci e convivi com uma
classe que eu nem sabia que era tão cheia de características próprias: a dos
marujos (mas não como os pescadores da Baía de Guanabara não, caso vocês
estejam imaginando). Falo da high-society navegante. Falo dos maiores iates e
não de barquinhos ou jangadas como os de Pipa.
Conforme fui conhecendo Palma e a correria do Tom entendi
mais uma razão para ele ter ido parar lá: o Luxo.
A cidade não tinha um cantinho sujo e com mendigos, não,
não... nada disso!
Me surpreendi porque esperava encontrar uma Espanha em
crise. Mas a crise parecia não ter chegado nessa ilha. Tudo era rico. A fachada
dos restaurantes, as pessoas na rua, os carros, o bar na esquina que eu nem sei
se ofendo ao chamar de bar.
Me lembrou algo como um Búzios milionário ou bilionário,
se pá. Búzios multiplicado por euros.
Até a parte “central e antiga” onde ficava o meu hostel
era rica. Era como uma Lapa com um investimento de alguns muitos milhões. Onde
ficava meu hostel tinha o charme das varandas de ferro, pé direitos altos, um
pedacinho ou outro de parede descascadas, mas que para mim só deixaram para
agradar os turistas que iam para palma para fugir da “rotina de luxo”. Clima
praiano, sabe como é né?
Para mim não passava de aparência porque nada deixava de
ser luxuoso. Mas mais uma vez quem sou eu para julgar, né? Estudo na UFRRJ e
por isso moro atualmente em Seropédica, onde ter ar-condicionado é luxo.
Mas cada vez mais percebi que não passava mesmo de aparência.
Porque apesar de tudo isso eu comia bem duas vezes ao dia com 10 euros e
comprava um litro de cerveja gelada com 1 euro. Fiquei em um hostel no melhor
lugar da cidade, no centro da bohemia noturna e a um quarteirão da praia e da
catedral com internet, bar e quarto individual por 25 euros a diária. Na Palma
de Mallorca sem crise isso nunca aconteceria.
Palma vivia em um mundo da imaginação a parte do resto da
Espanha que eu não entendia. Mas e eu com isso¿ Eu aproveitava e só torço para
continuar dando certo(apesar de ter as minhas dúvidas), porque quero que muitos
conheçam aquela cidade linda, a minha Bonequinha de Luxo.
Bonequinha de Luxo e sorridente, aliás!
Como os espanhóis foram simpáticos e prestativos comigo!
O dono da cafeteria da esquina do meu hostel da onde eu usava o computador era
como um avô. Perguntava todo dia como eu estava, puxava papo, e mesmo sem eu
nunca ter comido lá me chamava de algum apelido carinhoso que eu tento de
qualquer jeito lembrar mais não consigo. Que pena!
O dono do meu hostel era outra jóia. Esse era como um
pai. Me dava todo dia dicas de onde ir, o que fazer e, principalmente, aonde não ir, os cuidados para eu tomar e o
que não fazer. Quando o Tom foi me encontrar perguntou quem ele era, se eu já o
conhecia e se era de confiança.
O moço da banca sorria, o taxista contava piada em
espanhol que só eu entendia. O menino bonito atravessava a rua com um mega
sorriso para me ajudar me vendo perdida com um mapa na mão. Não sei se era o
sol ou o mar azul cristalino, mas aquela gente era feliz!
Caprichos e leis para inglês ver a parte, que cidade
linda!
Minha boca abria a cada esquina que eu virava. Era uma
mistura de 5th Avenue com Lapa muito
linda e colorida!
Mar azul azul de doer a vista, a catedral dando um show
em frente ao mar e por trás dela havia todo um bairro clássico que eu ia todo
dia passear pelas ruelas alguma hora do dia.
Sempre tinha algum evento.
Nos meus dias lá peguei feiras de artes e produtos artesanais onde os mais variados artistas vendiam milhões de pinturas, ou qualquer outro tipo de arte. Apresentações de dança pelas muralhas
do que para mim era um castelo, festival de cerveja com porções de comida por
dois euros. E a senhora tocando arpa?! Me hipnotizou e depois de meia-hora
parada sentada no muro escutando o som da arpa fui surpreendida pelo Danti, um
Italiano de Roma que se ajoelhou na minha frente com uma flor na mão me
oferecendo e com quem tive uma bela tarde passeando e conversando sem nem
conseguirmos concluir uma frase pois ele só falava italiano e aí já era impossível
para mim acompanhar. Mas a gente se virava com gestos e mímicas e foi uma bela
tarde. E agora tenho uma casa em Roma quando decidir passear por lá! (Ou pelo
menos foi o que eu consegui entender).
O Tom trabalhava durante o dia e às vezes a noite sempre
nos barcos e iates. Alguns até que ele mesmo tinha projetado anos atrás em
Auckland e que tinham ido parar em Palma. Vivia no mar onde o celular não
pegava. E no dia que eu cheguei ele estava se mudando para o Iate de um jogador
de Rugby famoso da Nova Zelândia que ele encontrou dias antes da minha chegada
na Europa em um bar. Conversa vai e vem, ele comentou que era engenheiro naval
e bam! O cara ofereceu um trabalho para ele por sei lá quantos meses a bordo do
Iate que iria partir para o sul da França em alguns dias. Ele não sabia ao
certo que dia partiria. Provavelmente em três dias desde a minha chegada em
Palma, mas talvez antes se ele fosse solicitado. E a proposta era irrecusável.
“Vai fundo, Tom” foi sem dúvidas a primeira coisa que eu
falei.
O Iate era cinco
vezes o meu apartamento e quando eu entrei fiquei até com medo de encostar em
qualquer coisa e quebrar. Eu mal queria sentar na proa(onde haviam dois
Jet-skis). Tudo era caro demais!
Fui percebendo que não era mesmo a toa que ele tinha ido
parar lá depois da América do Sul. Palma era muito famosa por esse estilo de
vida. Famosa no mundo todo. E me senti até meio burra porque eu era a única
pessoa naquela ilha que não fazia idéia disso.
Todos que ele me apresentou entendiam de barcos, conversaram
sobre barcos, trabalhavam embarcados. Estavam com a gente em um dia fazendo
planos para o final de semana seguinte e no dia seguinte, bam! Tinham ido
embora embarcados sem idéia de quando iriam voltar. Todo dia era a despedida de
alguém. E também a chegada de alguém.
Assim era a vida dos engenheiros navais e dos deck-hands(
ou marujos) em Palma. Tinham que estar sempre alertas, coisas práticas para
empacotar e partir, pois nunca se sabia quando embarcariam. Sem apegos. Simplesmente iam e voltavam sei
lá quanto tempo depois trazendo as mais diferentes histórias. Bem igualzinho
àquela música da Adriana Calcanhoto “ahh se eu fosse marinheiro...”, sabe¿ Não
existe melhor descrição das pessoas que conheci. Por isso havia cartazes de
deck-hands disponíveis por toda a cidade, porque sempre se precisava de um.
Agora sim eu entendia a correria. Agora tudo fazia
sentido. Nossos rumos que um dia foram os mesmos pelas ondas do Perú estavam
agora opostos.
Mais uma vez uma imagem diferente do ano passado, que os cabelos eram curtos e tudo era certinho e calculado.
Dessa vez os cabelos eram compridos e largados, menos tímido, menos pragmático e bem menos organizado.
Tudo estava mudado. Eu não me encaixava naquele estilo de
vida nem um pouco. Não tinha absolutamente nada contra, apenas não era para
mim.
Era um estilo de vida intenso. Como eles nunca sabiam
quanto tempo estariam lá reunidos, as noitadas eram as mais loucas, com a maior
quantidade de bebida possível e iam até o sol nascer. Sempre. Nunca queriam se
estressar com nada, pois não dava tempo de estressar e desestressar e às vezes
exageravam na dose tanto da bebida quanto do individualismo. Não conheciam nada
da cidade além do mar e das praias. Não dava tempo de fazer turismo, preferiam
se encontrar em um pub e colocar o papo em dia enquanto ainda desse tempo,
antes que alguém fosse embora.
No meu primeiro dia o Tom me buscou para me
“mostrar a cidade”.
“Leve biquíni!” ele disse e eu adorei a idéia. Pensei que
iríamos para a praia. Mas não. Andamos um pouco pela parte clássica em volta do
meu hostel e pronto, ele me colocou em um táxi dizendo que ia me levar em um
lugar muuuito legal que ele ia quase todo dia. Fiquei empolgada! Legal! Mas
quando chegamos era um pub na cobertura de um prédio com piscina que só a high
society conhecia e frequentava e onde o único espanhol local era o moço que
fazia os drinks. E era para isso o biquíni. Acabou que nem entrei na piscina,
nem deu vontade. Afinal, tinha um marzão azul me esperando lá na praia, né?
Ok, legal... mas e a cidade?! Eu perguntei sobre a
Espanha, sobre a cidade, a história da Catedral, perguntei o que eram algumas
construções no caminho e ele não sabia me dizer nada. Onde encontrar os
melhores Tapas, o melhor flamejante, o melhor iate, o bar que passa os jogos de
Rugby ele sabia me dizer direitinho. Ele estava lá há uns bons seis meses e
parecia que nunca tinha pisado na Espanha. Mal balbuciava qualquer coisa em
espanhol e achava que era mais do que o suficiente. Porque para o que ele
precisava(ir de um lugar a outro no táxi ou comprar uma cerveja) era suficiente.
Não só ele como todos os marujos que ele me apresentou da Austrália, África do
Sul, Inglaterra, França. Ninguém sabia nada daquele lugar.
“Que desperdício!
Olha essa cidade maravilhosa e colorida, olha essas pessoas simpáticas,
olha essa cultura!”
Eles não perguntavam sobre o Brasil. O pouco que falaram foi falando que viriam para Copa do Mundo, futebol, e macacos na rua, etc. Essas coisas clássicas. Mas dessa vez não senti vontade de falar sobre o Brasil, eles não estavam abertos a escutar. Conversávamos sobre outras coisas.
Eles iam e vinham nos barcos e pareciam nunca ter tido
tempo de prestar atenção.
Depois do bar ele fez uns telefonemas e só virou para mim
e disse “tenho uma surpresa para você e você vai amar!” Descemos do pub e um
carrão parou. Entramos e fomos sei lá
para onde! Eu só aproveitava para continuar meu “passeio turístico” que ainda
estava incompleto olhando pela janela tudo como um cachorrinho mesmo. Mas o
carro ia rápido demais! Saímos do centro da cidade e fomos parar em um resort
na beira de uma praia. Eu continuava sem entender esse cronograma de passeios
turísticos bem peculiar, mas, bem, não tinha muita opção senão me deixar levar.
Quando entramos vi onde ele tinha me levado: para surfar.
Meu sorriso ficou gigante olhando aquelas ondas, mesmo
que artificiais! E eu olhei para ele e entendi que não era porque tínhamos
mudado que não podíamos nos dar bem e mantermos aquilo que temos de bom em
comum.
O que vale realmente é a intenção e ele me fez ver isso.
O cronograma dele seguiu assim.
Para irmos à praia simplesmente para fazer nada e dar um
mergulho era um trabalho árduo de convencimento. Ele ia, mas sempre de ressaca
e já ouvindo um eletrônico. E sempre tínhamos que correr porque logo começaria
uma festa que não podíamos perder. Ou melhor, que ele não podia perder. Porque
eu não estava nem aí para festas e nem queria gastar dinheiro com isso. Me
irritei às vezes no início, mas realmente só ia me dar dois trabalhos: me
irritar, e me desirritar (arram, acabei de inventar) e não dava tempo. Eu
estava lá naquela cidade linda, tinha largado Elena que passou semanas
organizando nosso cronograma para estar lá, e eu não podia ser burra de perder
tempo triste ou irritada.
Nos quesitos “turismo pela cidade” e “conhecer a cultura”
eu vi que ia ter que me virar sozinha. Fiz amizade com uma Sul-Africana do meu
hostel e passeávamos juntas.
Eu pegava ônibus, seguia mapa, saía pedia informação e fui me virando.
Eu pegava ônibus, seguia mapa, saía pedia informação e fui me virando.
Quando ela não estava, eu ia sozinha.
Conversava
com o moço que vendia buginganga, com a moça que alugava bicicleta, e assim ia
me divertindo. Fiquei feliz de estar em um lugar que falavam espanhol e onde eu
não precisava depender de tradutores improvisados.
Adorei sua história! vc é uma gracinha. Bjs
ResponderExcluirObrigada!! Fico feliz, adoro compartilhar minhas histórias!!
Excluir