Nada fazia sentido na minha cabeça enquanto eu estava na
fila da Easyjet para Palma de Mallorca.
Afinal, por que Palma? Por que de todos os lugares
do mundo que ele já tinha estado, ele tinha ido parar nesse lugar que eu nunca
tinha ouvido falar e só por três dias? Dali, seria para mais longe e por tempo
indeterminado e não tínhamos tido oportunidade de conversar direito e muito
menos tempo dele me explicar o motivo da correria.
E a viagem não ajudou em nada. Eu já não tinha certeza se
queria ir e os pensamentos estavam a mil. Por mais que o pedido para a minha
ida tivesse sido sincero, não seria melhor deixar as coisas como estavam e
guardar na lembrança o que tínhamos vivido de bom e seguir assim? Seguir minha
viagem pela Europa sem preocupações, sem estresses, leve.
Encontrar Elena em
Amsterdam e depois a Sylvie em Bruxelas depois de Palma de Mallorca já virou ansiedade
antes mesmo de entrar no avião. E eu pensava nisso tudo quando um homem atrás de mim na fila me cutucou e começou a falar
espanhol e então não fechou mais a boca! Ele era simpático e eu fui continuando a conversa.
Falou que eu tinha cara mesmo de quem falava espanhol. Conversamos qualquer coisa e eu percebi que ele
encarava fixo meu passaporte e começou a falar como tinha vontade de conhecer o
Brasil, e eu fui levando.. mas já achando estranho. O jeito que ele olhava meu passaporte não
estava me deixando nada confortável. Começou a perguntar demais sobre a minha
vida, com quem eu viajava, se eu estava sozinha, o que eu fazia da vida, aonde
eu iria ficar em Palma e por quanto tempo e eu respondia o mínimo necessário
mentindo e olhando em volta na esperança de ser uma pegadinha. Ele começou a me assustar de um jeito que eu não sei explicar.
Entrei no avião e fiquei aliviada porque aquele homem ia
sair de perto de mim. Sentei feliz do lado de um senhor educado inglês e ainda
tinha o lugar na janela sobrando, mas nem me preocupei, afinal.. qual era a
probabilidade?
Mas bem... era
exatamente o lugar dele. E ele chegou sentando com um sorriso enorme. Não
acreditei e comecei a olhar o avião para ver se sobrava algum lugar lá para
trás, mas não.. voo lotado para essa tal de Palma. Fiquei com muito medo, achei
coincidência demais e pensei até na possibilidade desse cara estar me seguindo.
Três horas que
eram para ser tranquilas e me deixarem dormir e descansar do ritmo de Genebra viraram
um inferno. Era eu no meio do senhor educado inglês e esse cara estranho que
não calava a boca. Fui educada e conversei com ele um tempo, enquanto ele pedia
um uísque atrás do outro para a aeromoça e eu arregalava o olho a cada nova
garrafinha que ele pedia. Me ofereceu, insistiu e eu já estava ficando de saco
cheio de dizer não. Comecei a falar só em inglês para incentivar ele a falar só
inglês e assim os outros passageiros poderem entender e se o bicho pegasse me
ajudarem. E deu certo. O papo foi ficando estranho e eu não conseguia arranjar
uma maneira de parar o assunto sem ser grossa e eu não queria ser grossa porque
estava com muito medo. Ele começou a não falar coisa com coisa e eu olhava pro
senhor do meu lado como pedindo ajuda e ele entendeu a situação só com meu
olhar e começou a encarar o cara.
- Você gosta do Brasil?
- Sim, gosto muito.
- Você não gostou da Suíça?
- Sim, a Suíça é linda.
- Você não tem vontade de morar na Suíça?
- Não sei, quem sabe um dia.
Mantinha a pose.
E ele continuou agora em espanhol:
- Você não quer vir morar na Suíça? Ganhar em Euro? Muito
melhor do que na sua moeda, com certeza! Imagina morar na Suíça.. venha
trabalhar para mim, você vai ganhar muuito bem. É um trabalho fácil e paga
muito bem. Aonde você vai ficar em Palma? Eu tenho uma casa em Palma. Bem grande. fique na minha casa.
Falava e falava e
falava e falava com uma calma assustadora e me encarando com um olhar ruim. E eu só escutava Blábláblá.
”Euro, trabalho fácil, venha trabalhar para mim.” Ficava
ecoando na minha cabeça e me dando vontade de chorar. Eu não acreditava que
aquilo estava acontecendo. Ele enchia a boca para falar a palavra Euro e olhava
no fundo dos meus olhos como que esperando eu abrir o sorriso e falar “Opa, só
se for agora!” Esperando meus olhos brilharem bem do jeito que ele queria. Como de uma sul-americana inocente,
morta de fome e desesperada disposta a largar tudo para morar no primeiro mundo
sob qualquer circunstância.
“Quem é esse cara? Quem esse cara pensa que é?” Eu me perguntava imaginando quantas meninas
viajando sozinhas ele já não tinha abordado. Pela cara-de-pau e pela convicção
dele era fato que ele era experiente nisso, o que quer que fosse. O assunto era
calculado, meticuloso.
Fiquei imaginando quantas vezes isso já não podia ter
dado certo e o quanto ele já podia ter abusado da inocência de meninas bobas
aventureiras e ferrado elas.
Eu só queria
mandar ele calar a boca e sair dali.
E ele continuava “Você não tem o sonho de morar na
Europa? Aposto que tem. Imagina, morar na Suíça?! Olhe essas montanhas!”
E me empurrou a garrafa de Uísque para me fazer tentar
tomar.
“Pela última vez eu não quero a merda do seu uísque. Eu gosto do Brasil. Eu gosto da
minha vida lá. Eu acho a Suíça linda, mas não tenho planos de morar aqui. Agora
eu quero aproveitar o meu vôo e descansar então o senhor ,por favor, pare de falar comigo, pare de falar qualquer
coisa de preferência. Me deixe em paz.”
Falei em alto e bom inglês e agora não só o senhor
encarou ele fixo como os outros três rapazes dos assentos ao lado e o casal da
frente. E consegui pela uma hora de voo restante, não aproveitar e descansar
porque já não tinha como, mas pelo menos parar de ouvir aquela voz irritante
daquele cara bizarro.
Aterrissamos, amém.
Descendo do avião ele ainda me parou para me dar o cartão
dele com contato e o endereço da onde ele ficaria em Palma, “caso eu mudasse de
ideia”.
“Esse cara é louco.”
Pensava andando rápido até sumir da vista e jogar o cartão fora.
E o aeroporto era maior do que a própria cidade, ou pelo
menos me pareceu.
Não chegava nunca o lugar para pegar minha mochila, e depois
não chegava nunca a saída. Depois não chegava o ponto do ônibus, e nem o
ônibus. E já no ônibus o mar não chegava, e nem o centro da cidade.
Ainda por cima desci no ponto de ônibus errado do outro lado da onde eu tinha que ir.
Ainda por cima desci no ponto de ônibus errado do outro lado da onde eu tinha que ir.
Minha chegada foi uma bosta mesmo!
O sorriso amigo de boas-vindas demorou mais ainda dessa vez. Não tava no desembarque. Não dava tempo.Nada deu tempo em Palma. Tudo para mim passou em um piscar de olhos. Não deu tempo direito de ser feliz e nem de ficar triste porque já era hora de embarcar para Amsterdam(e nesse ponto foi bom não ter tempo).
O sorriso amigo de boas-vindas demorou mais ainda dessa vez. Não tava no desembarque. Não dava tempo.Nada deu tempo em Palma. Tudo para mim passou em um piscar de olhos. Não deu tempo direito de ser feliz e nem de ficar triste porque já era hora de embarcar para Amsterdam(e nesse ponto foi bom não ter tempo).
Só uma coisa na minha chegada me fez sorrir por uns segundinhos: O Sol
brilhando no céu azulão fazendo a sombra das palmeiras espalhadas por todo o
aeroporto dançarem com o vento(que dessa vez não era frio!) quando dei o primeiro passo para fora do aeroporto.
Palmeira só sobrevive em climas mais quentes.. opa.. comecei a entender o motivo de um engenheiro naval e surfista neo-zelandês ter ido parar lá.
Sol, calor, mar e barcos. Muitos barcos!
E pela primeira vez percebi na hora a diferença que um dia ensolarado ou mesmo só alguns minutinhos de sol na cara) fazem na minha vida.
Sol, calor, mar e barcos. Muitos barcos!
E pela primeira vez percebi na hora a diferença que um dia ensolarado ou mesmo só alguns minutinhos de sol na cara) fazem na minha vida.
Cartazes oferecendo deck-hands com fotos de pessoas em todos os lugares. Desde o aeroporto até em bares, restaurantes, e no meu hostel. E que raios era um deck-hand? Fiquei me perguntando...
Algo de bom tinha de sair daí.
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