Como eu disse, tudo em palma foi muito intenso.
Entrei no aeroporto para voar para Amsterdam triste pelas
muitas diferenças. Repassava na minha cabeça as vezes que olhava para ele com
os amigos e via que tínhamos nos distanciado tanto e que realmente não tínhamos
nada haver. Mas depois no avião verde a
caminho de Amsterdam olhando Palma ficando para trás a tristeza passou. Porque
percebi que o carinho continuou. Ele se esforçou muito para, do jeito dele, fazer
com que eu me divertisse e levasse boas lembranças de Palma. Nem sempre
funcionou, mas hoje eu olho para trás e só agradeço os momentos que ele mudou
os planos para estar comigo.
Lembro de no meu último dia que nos despedimos e ele
entrou no carro para ir fazer algum trabalho sei lá aonde. Então o horário do
meu vôo mudou para mais tarde e eu não tinha celular com internet. Fui no bar
do meu avô na esquina e só mandei uma mensagem falando o novo horário que eu
sairia para o aeroporto. Ele não respondeu e minhas moedas acabaram. Fiquei
meio sem saber o que fazer. Se andava, se ficava no hostel. Esperei um tempo e
nada.
“Bem, ele não deve ter visto e não deve aparecer.” E
quando estava saindo do hall do hostel para dar uma última volta vejo um ponto
loiro correndo na minha direção. Era ele esbaforido falando que tinha acabado
de ver a mensagem e que desceu do carro e veio correndo porque o trânsito
estava ruim e se pegasse um táxi não chegaria a tempo.”
E saímos para passear por mais umas horinhas e a moça da
arpa estava pela rua de novo dando um show! Estendi a canga e ficamos fazendo nada deitados só conversando sobre a vida, nossos planos futuros. Foi uma bela despedida.
E são essas lembranças que hoje eu tenho comigo. Quando
digo que amei ter ido parar naquela cidade, falo de coração. Muitas coisas não foram como o esperado, mas
depois eu pude ver que mesmo assim eu dei muita sorte. Se não fosse pelo Tom,
eu não teria nunca conhecido Palma de Mallorca,
e não teria ganhado mais um pai e
um avô.
Não teria conhecido Cala Major e não teria pulado da pedra.
Não gargalharia sozinha até hoje lembrando de uma das
cenas mais esquisitas que já vivenciei.
O Tom me falava direto de um amigo
brasileiro(marujo) que ele tinha conhecido
até que uma noite rodando pela cidade demos de cara com o tal
brasileiro.
- Olha, Camila! Esse é o brasileiro que eu te falei!
E me apresentou. Comecei a misturar português e inglês na
empolgação de ver outro brasileiro e o cara não curtiu não! Só respondia em
inglês, evitava olhar para a minha cara ao máximo e evitava falar comigo como
se não quisesse que eu puxasse qualquer papo. Que esquisito e anti-social! O
Tom sem perceber nada para variar falou “Aí fulano, aproveita para botar o
português em dia!”
Até que ele respondeu sério para o Tom sem olhar para mim
-É que eu não falo Português
Eu e o Tom arregalamos os olhos
-Não?! Ué, você não é brasileiro?”
- Sou...
Ele ficava cada vez mais sem jeito e eu não estava
entendendo bosta nenhuma. Como assim um brasileiro que não falava português?
- Você fala o quê então? Tom perguntou
- É que eu falo........(longa pausa).... Tupiguarani.
Juro! Ele respondeu que falava Tupiguarani.
- O que é isso? Tem outra língua no Brasil? Nunca tinha
escutado falar! o Tom perguntava olhando para nós dois enquanto eu não
conseguia fechar a boca escancarada pasma.
- TUPIGUARANI??????????? É SÉRIO ISSO?
E ele fez que sim com a cabeça bem sério e começou a
explicação para o Tom
- É uma língua indígena. Poucos ainda falam.
Falava sério, convicto e me convenceu.
- Really?! Você conhece essa língua, Camila?
- Sim, existiu mesmo.. mas eu nunca tinha conhecido
ninguém que falasse! Que bizarro!! Fala aí alguma coisa em Tupiguaraní, por
favor!
E ele ainda sem graça começou a falar em inglês
- Ah, tem varias palavras... tapioca... tocaia...”
- Ahh Itacoatiara, Itaipu também! – Falei empolgada
- Iiiiisso!!! Itaipuu, isso mesmo!”
Eu tava era achando aquilo muito bizarro, mas bem..
tínhamos que seguir para a casa de uns amigos do tom e nos despedimos.
Mais tarde na festinha na casa desses amigos o
tupiguarani apareceu de novo e no fim da noite sentou do meu lado no sofá e
falou baixinho em português olhando para a frente
- Eu falo português sim.
Caralho! Que susto! Aí que eu não entendi nada mesmo!
Mas tava engraçado demais! Comecei a gargalhar
- Eu sabiiia que tava estranha demais essa história!!!!!!!!!!!!!!
E continuei rindo muito
- Xii, fala baixo. Não quero que ninguém saiba. Tive uns
problemas aí quando me juntei com brasileiros e aí... agora to trabalhando em
uma empresa e não posso dar mole então não falo para ninguém que sou
brasileiro.
- Ta trabalhando pra máfia, cassete ?! - Falei rindo
- É, tipo isso mesmo. É uma empresa Russa.
A gargalhada parou na hora e me engasgei com a cerveja
cuspindo tudo. Por que que eu fui brincar.
- Ahh você ta brincando! – dei um tapinha no ombro dele
rindo.
- Não estou não. É sério. Mas ninguém sabe.
“Puta que pariu, por que que eu fui perguntar¿”
Ele precisava desabafar logo comigo?! E ele tava tão
empolgado de falar português que parecia que daqui a pouco ia estar me contando
até detalhes dessa empresa aí e eu já comecei a mirabolar um jeito de sair
dali.
Enquanto isso o Tom parou na nossa frente.
-Ual, Camila! Você também fala "toupiguaran"?
O brasileiro arregalou os olhos e eu me segurando para
não gargalhar pensei em algo bem triste e falei séria:
- Falo sim, Tom!
- Caraca! Que maneiro!!! Depois me ensina umas palavras!
- Claro.
Hahahah.. que cena! Que noite engraçada!
Realmente aquela agitação era o estilo de vida dele naquele
momento. A incerteza de cada dia da vida de marinheiro também. E ele estava
feliz lá em Palma. Estava cercado de pessoas que pareciam gostar muito dele. E
eu estava feliz por ele.
E não seria eu que
faria ele de repente resolver se interessar mais pela cultura, por voltar a
fazer programas saudáveis( como ele fazia no Peru que acordava às 5h para
surfar enquanto eu chegava de um lual) ou por qualquer outra coisa.
Até poderia
ser, se tivéssemos mais tempo. Mas, mais uma vez, não dava tempo. Conversei com
ele sobre o que ele estava perdendo e falei que daqui a pouco ele iria embora
sem saber nada do lugar onde esteve por tanto tempo e que isso seria um
desperdício.
Perguntei o que tinha acontecido com aquele cara que no Perú amava
espanhol e que andava o dia inteiro com um livro de espanhol no bolso e me
fazia passar horas explicando palavras e frases e forçando ele a praticar. Ele
não deveria deixar isso de lado.
Bom, a minha conclusão depois de 5 dias lá foi que fiquei
feliz por ter ido. Botando na balança as
mil emoções, surpresas boas e ruins, as brigas e as conversas, desentendimentos
e os entendimentos, o saldo ficou positivo.
Entre eu e o Tom,
para os muitos que sempre me perguntam, não aconteceu nada além de grandes
abraços de amigos. Um beijo de despedida no meu último dia que acho que foi
mais só para confirmar mesmo que não tínhamos mais haver. E não tínhamos mesmo.
Isso sim deu tempo de confirmar.
Eu sabia os motivos que me faziam olhar para ele de outra
forma e realmente não queria que ele tentasse nada, mas eu fui embora sem saber
bem os motivos dele ou porque ele não tinha tentado nada. Enquanto eu estava em
Paris conversamos bastante e eu perguntei o que aconteceu da parte dele e ele
me respondeu:
-Cami, você só estaria aqui por alguns dias e então seguiria
sua viagem e depois voltaria para o Brasil. Eu não podia me deixar sentir de
novo o que eu já senti por você.
E ele estava certo. Acho que inconscientemente eu fiz a
mesma coisa
.
Nossa história tinha chegado ao fim. E segui para
Amsterdam me sentindo leve como uma pluma! Eu nem precisava mais do avião para me sentir nos ares, sentia que podia ir sozinha voando até a Holanda.
E não deu outra. Dois dias depois da minha partida a
despedida no pub da vez era a dele. Seguiu por muitos meses no Iate fazendo
toda a costa do Sul da França e da Espanha e me mandava fotos nos mais
diferentes lugares, e não só com gringos. Me enviou uma foto inclusive todo
vestido tipicamente pronto para participar da corrida do touro na Espanha que
eu adorei. Eu considerei como um “Viu, agora estou vivendo a cultura
Espanhola”. Dá-lhe, Tom! É isso aí!
Bem.. emoções a parte, Amsterdam, Elena e Yulya me
esperavam! E aquele aeroporto gigante quase me ferrou de novo e quase me fez perder o vôo. Só não perdi
porque meu vôo atrasou duas horas(por pura sorte). Mas mesmo assim, esse aeroporto infinito do mal e
Palma de Mallorca podem me aguardar porque estão como prioridade na minha lista
de lugares para voltar.
Obrigado pelo tempo, pelo surf na piscina, pela bicicleta
emprestada para os passeios, pela minha recepção e pela conversa no Iate, Tom.
Vá sempre fundo e continue assim determinado e corajoso
que esse mundão é seu. Com muito amor e boas lembranças,
Cami.