quarta-feira, 18 de dezembro de 2013

Espanha (Spain) - Palma de Mallorca (Parte I)

                                                             A cidade dos Deck-hands


Nada fazia sentido na minha cabeça enquanto eu estava na fila da Easyjet para Palma de Mallorca.

Afinal, por que Palma? Por que de todos os lugares do mundo que ele já tinha estado, ele tinha ido parar nesse lugar que eu nunca tinha ouvido falar e só por três dias? Dali, seria para mais longe e por tempo indeterminado e não tínhamos tido oportunidade de conversar direito e muito menos tempo dele me explicar o motivo da correria.

E a viagem não ajudou em nada. Eu já não tinha certeza se queria ir e os pensamentos estavam a mil. Por mais que o pedido para a minha ida tivesse sido sincero, não seria melhor deixar as coisas como estavam e guardar na lembrança o que tínhamos vivido de bom e seguir assim? Seguir minha viagem pela Europa sem preocupações, sem estresses, leve.

 Encontrar Elena em Amsterdam e depois a Sylvie em Bruxelas depois de Palma de Mallorca já virou ansiedade antes mesmo de entrar no avião. E eu pensava nisso tudo quando um homem atrás de mim na fila me cutucou e começou a falar espanhol e então não fechou mais a boca! Ele era simpático e eu fui continuando a conversa.

Falou que eu tinha cara mesmo de quem falava espanhol. Conversamos qualquer coisa e eu percebi que ele encarava fixo meu passaporte e começou a falar como tinha vontade de conhecer o Brasil, e eu fui levando.. mas já achando estranho.  O jeito que ele olhava meu passaporte não estava me deixando nada confortável. Começou a perguntar demais sobre a minha vida, com quem eu viajava, se eu estava sozinha, o que eu fazia da vida, aonde eu iria ficar em Palma e por quanto tempo e eu respondia o mínimo necessário mentindo e olhando em volta na esperança de ser uma pegadinha. Ele começou a me assustar de um jeito que eu não sei explicar. 
Entrei no avião e fiquei aliviada porque aquele homem ia sair de perto de mim. Sentei feliz do lado de um senhor educado inglês e ainda tinha o lugar na janela sobrando, mas nem me preocupei, afinal.. qual era a probabilidade?

 Mas bem... era exatamente o lugar dele. E ele chegou sentando com um sorriso enorme. Não acreditei e comecei a olhar o avião para ver se sobrava algum lugar lá para trás, mas não.. voo lotado para essa tal de Palma. Fiquei com muito medo, achei coincidência demais e pensei até na possibilidade desse cara estar me seguindo.

 Três horas que eram para ser tranquilas e me deixarem dormir e descansar do ritmo de Genebra viraram um inferno. Era eu no meio do senhor educado inglês e esse cara estranho que não calava a boca. Fui educada e conversei com ele um tempo, enquanto ele pedia um uísque atrás do outro para a aeromoça e eu arregalava o olho a cada nova garrafinha que ele pedia. Me ofereceu, insistiu e eu já estava ficando de saco cheio de dizer não. Comecei a falar só em inglês para incentivar ele a falar só inglês e assim os outros passageiros poderem entender e se o bicho pegasse me ajudarem. E deu certo. O papo foi ficando estranho e eu não conseguia arranjar uma maneira de parar o assunto sem ser grossa e eu não queria ser grossa porque estava com muito medo. Ele começou a não falar coisa com coisa e eu olhava pro senhor do meu lado como pedindo ajuda e ele entendeu a situação só com meu olhar e começou a encarar o cara.

- Você gosta do Brasil?
- Sim, gosto muito.
- Você não gostou da Suíça?
- Sim, a Suíça é linda.
- Você não tem vontade de morar na Suíça?
- Não sei, quem sabe um dia.
Mantinha a pose.


E ele continuou agora em espanhol:
- Você não quer vir morar na Suíça? Ganhar em Euro? Muito melhor do que na sua moeda, com certeza! Imagina morar na Suíça.. venha trabalhar para mim, você vai ganhar muuito bem. É um trabalho fácil e paga muito bem. Aonde você vai ficar em Palma? Eu tenho uma casa em Palma. Bem grande. fique na minha casa.

 Falava e falava e falava e falava com uma calma assustadora e me encarando com um olhar ruim. E eu só escutava Blábláblá.
”Euro, trabalho fácil, venha trabalhar para mim.” Ficava ecoando na minha cabeça e me dando vontade de chorar. Eu não acreditava que aquilo estava acontecendo. Ele enchia a boca para falar a palavra Euro e olhava no fundo dos meus olhos como que esperando eu abrir o sorriso e falar “Opa, só se for agora!” Esperando meus olhos brilharem bem do jeito que ele queria. Como de uma sul-americana inocente, morta de fome e desesperada disposta a largar tudo para morar no primeiro mundo sob qualquer circunstância.

 “Quem é esse cara? Quem esse cara pensa que é?” Eu me perguntava imaginando quantas meninas viajando sozinhas ele já não tinha abordado. Pela cara-de-pau e pela convicção dele era fato que ele era experiente nisso, o que quer que fosse. O assunto era calculado, meticuloso.
Fiquei imaginando quantas vezes isso já não podia ter dado certo e o quanto ele já podia ter abusado da inocência de meninas bobas aventureiras e ferrado elas.
 Eu só queria mandar ele calar a boca e sair dali.

E ele continuava “Você não tem o sonho de morar na Europa? Aposto que tem. Imagina, morar na Suíça?! Olhe essas montanhas!”
E me empurrou a garrafa de Uísque para me fazer tentar tomar.

“Pela última vez eu não quero a merda do seu uísque.  Eu gosto do Brasil. Eu gosto da minha vida lá. Eu acho a Suíça linda, mas não tenho planos de morar aqui. Agora eu quero aproveitar o meu vôo e descansar então o senhor ,por favor,  pare de falar comigo, pare de falar qualquer coisa de preferência. Me deixe em paz.”

Falei em alto e bom inglês e agora não só o senhor encarou ele fixo como os outros três rapazes dos assentos ao lado e o casal da frente. E consegui pela uma hora de voo restante, não aproveitar e descansar porque já não tinha como, mas pelo menos parar de ouvir aquela voz irritante daquele cara bizarro.

Aterrissamos, amém.

Descendo do avião ele ainda me parou para me dar o cartão dele com contato e o endereço da onde ele ficaria em Palma, “caso eu mudasse de ideia”.


“Esse cara é louco.”  Pensava andando rápido até sumir da vista e jogar o cartão fora.

E o aeroporto era maior do que a própria cidade, ou pelo menos me pareceu. 

Não chegava nunca o lugar para pegar minha mochila, e depois não chegava nunca a saída. Depois não chegava o ponto do ônibus, e nem o ônibus. E já no ônibus o mar não chegava,  e nem o centro da cidade.
Ainda por cima desci no ponto de ônibus errado do outro lado da onde eu tinha que ir.

Minha chegada foi uma bosta mesmo!

O sorriso amigo de boas-vindas demorou mais ainda dessa vez. Não tava no desembarque. Não dava tempo.Nada deu tempo em Palma. Tudo para mim passou em um piscar de olhos. Não deu tempo direito de ser feliz e nem de ficar triste porque já era hora de embarcar para Amsterdam(e nesse ponto foi bom não ter tempo).


Só uma coisa na minha chegada me fez sorrir por uns segundinhos: O Sol brilhando no céu azulão fazendo a sombra das palmeiras espalhadas por todo o aeroporto dançarem com o vento(que dessa vez não era frio!) quando dei o primeiro passo para fora do aeroporto.
Palmeira só sobrevive em climas mais quentes.. opa.. comecei a entender o motivo de um engenheiro naval e surfista neo-zelandês ter ido parar lá.

                                           Sol, calor, mar e barcos. Muitos barcos!


           E pela primeira vez percebi na hora a diferença que um dia ensolarado ou mesmo só alguns minutinhos de sol na cara)  fazem  na minha vida.



 Cartazes oferecendo deck-hands com fotos de pessoas em todos os lugares. Desde o aeroporto até em bares, restaurantes, e no meu hostel. E que raios era um deck-hand? Fiquei me perguntando...
                         

                                      Voilà, eu estava em Palma.




 Ou seja, na terra da Palmeira.


                                                                                  Algo de bom tinha de sair daí.